quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O dia que chorei...feito mulherzinha





Sabe aquela garota que reduz seu stress como se fosse um relaxante muscular pra cavalo? Sabe aquele abraço que é capaz de enguiçar uma carreta? Sabe ter a sua mão subitamente pega entre as pequenas e alvas mãos dela? Sabe passar o dia só pensando besteira e rindo a toa? Sabe acordar babando agarrado com um travesseiro sentindo o cheiro dela em mistura de ressaca pura com idéias indecente? Tudo isso já estava embalado na mochila dela se confundindo com maquiagem, sutiãs meia taça e fios dentais, junto com aquelas calças jeans surradas que ela usava.



Pra mim, o aviso foi dado de supetão, literalmente com as calças na mão: "Hoje, às 22 horas embarco para o Japão", para não dar chance de me refazer do susto e sair correndo como fosse o Forrest Gump. E o que tem de tão romântico pegar uma avenida rumo ao aeroporto de Campo Grande, tentando convencer alguém a não ir para o Japão? Que cargas d´agua me levariam deter alguém que sempre esteve empoeirada na minha estande, como lembranças de uma adolescência perdida? Nada. Correr atrás de uma garota que nunca levei a sério, nem por algum momento patético sequer, tipo água de salsicha, que não serve pra nada e os neurônios queimando no cérebro.



Mas, sabe aquela garota que deixa as coisas bonitas lindas? E quem avisa muda onze horas antes de zarpar sem uma pontinha de "só você pode me fazer ficar"? Antes de imaginar o kit "olhos amendoados verde-água, sorriso perdido e charme mestiço " maravilhando o Castelo de Nagoya ou fazendo cartão postal do Monte Fuji com neve e o mar logo abaixo, bebi água da salsicha. Ninguém foge pra Tókyo sem antes me ouvir.



Deveria usar os 30 kilômetros de linha reta até a pista de vôo, compondo frases que não soassem canalhas demais ou ensaiadas, e com um pouco de nexo, suficientes para fazê-la ficar, ou pelo menos escolher um destino que vista o frio de sua ausência de romance, tipo Nova Iorque, Londres, Paris, Rio de Janeiro ou até a Serra Gaúcha. Sim, se despedir de alguém que foi pra Serra Gaúcha é mais chique que chorar um amor recém descoberto, cujo norte é Tókyo.



Espera aí, eu disse "chorar um amor"? Deixa eu consertar esse lapso de linguagem, não era exatamente amor. Se você brinca com sua língua em cantos inusitados da boca dela durante trinta minutos sem pensar abrir os olhos e só para quando ambos começam a rir desenfreadamente ao som do melacueca "Oceano" do Maurício Manieri no meio do bar é amizade, não amor. Quando roubam sua moto em frente ao caixa eletrônico e você liga pra ela ao invés de seu irmão mais velho ou melhor amigo, é cumplicidade, não amor. Vai dizer que é amor acordar primeiro para apenas não perder o momento em que uma mulher travessa e enfezada tem o rosto de njoa, babando na barra do lençol? Pois eu discordo.



Obstruí a fuga já no estacionamento do embarque. A mala cor de rosa não me enganava. Mulher que é mulher não viaja só de malinha cor de rosa, mochila Nike e necessaire Dolce & Gabbana na mão. Mas ela não era "mulher que é mulher", ela era mais que isso tudo...



- "Já fiz meu check-in. O que você tá fazendo aqui? Nandayoooo....Hayako...Soltou em um japonês quase vociferal, quase me acertando com uma espada. Você tem dez minutos para esfregar a verdade na minha cara e me fazer entender de uma vez por todas que minha viagem é você, que teu lugar é no meu abraço e seu mundinho vai além do centro de minhas coxas. Afinal, estarei pela primeira vez longe do roçar dos teus dedos na minha pele, do fundir do castanho dos teus olhos com o verde dos meus. Mas do canto mais nobre do teu coração sempre estive pra lá de Tókyo".



Se despediu com um beijo morno em meus lábios imóveis, desprovidos de contestação, ou qualquer reação verdadeiramente carinhosa de afeto, e um abraço distante de tudo que me lembrava. No caminho de volta, precisei dispersar aquele cheiro que ela tem de sol quando acorda e de flor quando ri, que revela uma fragrância de canela doce com aniz e esmurra meu maxilar perguntando por onde andei enquanto ela queria tudo e mais um pouco de mim, e eu a esquecendo nas minhas lembranças empoeiradas.



Abri totalmente os vidros do carro enquanto ouvia uma música dolorida qualquer que se apresentava no rádio, enquanto meus olhos marejavam. O fiz sem lembrar que - assim como o cabelo comprido dela - o ar da rua também exalava brisa de terra molhada depois de uma chuva. Foi então que chorei, como uma criança que se vê sozinha no escuro, feito mulherzinha.



Créditos CCE - Adaptação: Dill

Nenhum comentário: