quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Ressaca de tudo que se pode dizer sobre o amor






Acordo e abro os olhos, lembrando da última noite, perambulando sem rumo, som no carro, e respirando o seu perfume que ficou impregnado no estofado do carro, escutando a trilha sonora mansa e lembrando do seu sarcasmo, desmentindo e me enganando como se sempre fosse o diabo atentando a nossa conversa, então eu em pleno desespero poético de um roteirista imitando Nelson Rodrigues ordeno: tira esse riso ridiculamente sórdido dessa boca vermelha, não vá pensando que essas palavras jorram da minha garganta como um analgésico verbal pro meu desconforto, é por você. A dor é meramente um quadro ilustrativo, ela é psicológica, de fazer tortura, como naqueles filmes de guerra. Ninguém nunca, jamais, nem nos meus piores pesadelos me fez sofrer, nunca me obrigariam a isso, sempre que sofri por alguém foi porque quis, porque me entreguei, não por julgar que valessem a lágrima, cada dose de bebida, cada uma delas. Se corri tanto atrás de você foi pela ideia fixa de fazer justiça com as próprias pernas, e de conquistar cada pedaço de você. Eu poderia me reinventar, recriar um mundo te contando como passei meus últimos dias, mas penso que tudo seria meio incompleto, meio que, faltando pedaços, só sei do gosto de whisk e preguiça que não levantam comigo, misturados com o perfume agressivo de outras mulheres que dormi junto desejando acordar nunca mais. As conversas chatas, os sabores de beijos secos que não se sobrepõem ao seu na minha língua, as músicas altas demais que ouço com a manifesta intenção de estourar um tímpano, e explodir dentro de mim tudo que você ainda representava, e vejo que minha ressaca é maior do que ficou pra trás.

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