quinta-feira, 16 de outubro de 2014

SINTO SAUDADES DO NADA




Guardo algumas coisas em caixinhas, lembranças, presentes, agendas e cartas, de pessoas importantes, ou que se fizeram importantes, ou mesmo que me marcaram em algum momento de minha vida. Vez por outra busco remexer nessas lembranças até mesmo como uma prática saudável das lembranças e encontrei um bilhete em papel azul, letra bonita, redonda, bem feita, ainda com um cheiro de perfume de mais de duas décadas, e o conteúdo, escrito como um desabafo

"Sinto sua falta me pegando, de surpresa, como uma qualquer que conheceu na rua. Não sou muito romântica, dessas de jantar à luz de vela e toda essa parafernália. Por mim, a gente pula na cama para a cena de sexo. Você me diz que eu tenho muita testosterona, às vezes brinca de me pedir emprestado. Você acha que a gente não precisa fazer todos os dias. Falo que não sou romântica, mas sou. Escuta, de uma vez, eu poderia dizer que voltamos à estaca zero, mas esta foi cravada no dia que a gente se encontrou, do nada, nos olhamos. Depois de tirar um pouco os pés do chão, caímos juntos e abraçados num poço escuro e vazio e sem fim. Agora estamos no negativo, a gente simplesmente deve algo um pro outro. E nem vem, não adianta, quem ama o difícil, muito fácil lhe parece. Sei da sua indolência, sua indecência mas quero tentar mesmo assim, teu passado não me interessa, porque já não dá mais pra passar um dia sem que minha história conte um pouco da sua. Cada vez que eu for até sua boca, é um degrau de subida, uma subida sem final,  a gente já foi fundo, fundo demais, não há mais como cair. De agora em diante, o maior risco que a gente corre é ser feliz."

Juro que tentei me lembrar mais, mas a única lembrança é do gosto do batom de uma despedida no aeroporto, do desse bilhete no bolso, e um horizonte infindável... 

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